terça-feira, 29 de março de 2011

O RETRATO DE JACK LONDON

por Edson Negromonte

Da ponta do trapiche, em frente ao Mercado Municipal, avista-se ao longe, em dia de sol claro e intenso, a cidade de Paranaguá, com navios cargueiros ao largo, à espera de um rebocador para conduzi-los através dos canais dragados até o cais. O grande drama de Antonina é essa lama que vai se acumulando na baía, conforme noticiado por Ermelino de Leão, em sua obra imortal, datada de 1918. Portanto, de muito tempo atrás vem a disputa entre as duas cidades portuárias pela riqueza advinda das cargas marítimas. O que é certo é que o desenvolvimento de Paranaguá aconteceu devido à incompetência dos homens públicos de Antonina, os quais, numa jogada política, puseram um parnanguara para administrar o porto, a sua única fonte de subsistência, ou seja, a raposa tomando conta das uvas. É a velha fábula de Esopo transcrita para a atualidade.
Quando aqui cheguei, no final da década de 1960, todos os antoninenses, independente da idade, lamentavam a perda da supremacia marítima, maldizendo os poucos navios, de procedência argentina e dinamarquesa, de baixo calado, que ainda se aventuravam, orientados por um velho rebocador, a enfrentar os canais sem dragagem, unicamente para carregar a madeira das nossas ainda fartas florestas. Várias companhias ainda resistiam heroica e impunemente à iminente ruína, como Sermara, Valente e, principalmente, a Matarazzo, cuja vila chamava a atenção pelos belos sobrados destinados à moradia dos trabalhadores. Foi neste porto que fiz os primeiros contrabandos de calça Lee e uísque escocês, inspirado pela leitura da biografia "A Vida Errante de Jack London", mormente pela passagem de pirataria de ostras. Assim, pensava eu, na inocência da adolescência, estaria cursando, às minhas próprias custas, a melhor escola preparatória para me tornar, na idade adulta, um verdadeiro escritor, imaginando que, em seguida, passaria também a viajar clandestinamente em trens de carga, enfrentando os cruéis guardas ferroviários, participaria de alguma corrida febril em busca de ouro, ouvindo o chamado selvagem, encontrando a filha das neves, sem deixar de me envolver em ferrenhas e incompreensíveis lutas políticas e, num futuro não muito distante, portador de uma invejável bagagem vivencial, estaria pronto a encetar a escritura das minhas rocambolescas aventuras. Assim, quase embarquei num navio dinamarquês, onde fiz amizade com os filhos do capitão, os quais me convidaram a seguir viagem com eles, como taifeiro. Meu pai não pestanejou em me emancipar para que eu pudesse embarcar, pois ele tinha servido a Marinha de Guerra durante dois anos e assegurava ter sido uma das épocas mais felizes de sua vida, conhecendo o Brasil de ponta a ponta, menos o Maranhão, onde não pudera descer por estar preso por insubordinação. Dois dias antes de embarcar, uma dor de estômago terrível tomou conta de mim e minha mãe suplicou que eu não embarcasse, que não a deixasse, ela ficaria muito preocupada em terra, assegurando que a minha saúde nunca houvera sido das melhores. O que sei e lamento até hoje é que o navio levantou âncora sem mim, que fiquei acamado durante um bom tempo, descortinando novas linhas do horizonte através das páginas encardidas de um grosso volume, em espanhol, sobre a cruel caça à baleia, emprestado pelo amigo Sven Andersen, um velho navegador. Nunca mais encontrei os filhos do Capitão Grant, mas recuperado dei continuidade ao tráfico de uísque, fornecendo produto da melhor qualidade para a granfinagem da capital. Como nunca fui bom comerciante, não fiquei rico, mas o lucro deu para comprar muitos livros mais e vários maços do meu cigarro favorito, Kent mentolado, além de poder emprestar dinheiro para os amigos e familiares sem a preocupação de recebê-lo de volta. Foi numa dessas investidas em busca de contrabando, na calada da noite, que travei conhecimento com o imediato sueco Nils, filho de mãe portuguesa, razão pela qual pudemos nos entender perfeitamente. Homem corpulento, de fala pausada e gestos curtos, que, com um sorriso largo, após horas de conversa, presenteou-me com um cachimbo feito por ele mesmo. Artesanalmente, não era grande coisa, pode-se dizer tosco até. Nossa conversa havia nos levado, aos poucos, entre tantos outros assuntos, à literatura, quando Nils, inesperadamente, remexeu no casaco, tirando de um dos bolsos uma surrada carteira de couro, cuidadosamente abriu-a e mostrou-me uma amassada fotografia, esmaecida e, falando mais baixo que o costumeiro, segredou:
– Guardo-a cá comigo, bem junto ao peito.
Olhei-a demoradamente, tentando identificar algo, um rosto conhecido, talvez o próprio imediato, ainda criança, junto à mãe, mas em vão (eram dois adultos, lado a lado, abraçados), quando percebi um misto de contrariedade e decepção no semblante do amigo.
– Quem são? – perguntei, então.
Sem responder à minha pergunta, Nils continuou falando mansamente, mas com vivacidade.
– Encontrei-o já idoso, numa das minhas viagens aos Estados Unidos da América. Este cachimbo que acabei de dá-lo a ti é uma réplica daquele que, na ocasião, ele fumava e que lhe havia sido presenteado por um esquimó.
A quem ele estava se referindo? Ao perceber a interrogação estampada em minha testa, fez um gesto elíptico e largo, tal e qual um vento alísio engordando a bujarrona.
– Jack London, Jack London! Repare bem na sua mão direita; o cachimbo está ali.
Para não faltar com a verdade, devo dizer que, antes de tudo, sou um crente, disposto a acreditar em qualquer patacoada dos homens do mar, matéria-prima das minhas escrituras. Mas, apesar dos esforços, não consegui ver nenhuma fisionomia conhecida, nem de Jack London ou de Nils, nem sequer um cachimbo na mão de alguém. Hoje, em idade avançada, essa passagem da minha adolescência remete-me lucidamente ao quadro de Magritte e, consequentemente, ao livro de Foucault, sobre a obra magritteana, "Isso Não é um Cachimbo".

gatos

por Edson Negromonte

gatos
são seres
de porcelana
às vezes
dão saltos
em direção
à lua,
a casa natal
mas, na maioria
das vezes,
deitam-se
ao sol,
esquecidos
de tebas
gatos
são
resquícios
de deus

quinta-feira, 17 de março de 2011

SUPOSTA CRÔNICA SOBRE OS AMIGOS SIAMESES

por Edson Negromonte

Os dois já se conheciam, mas não haviam ainda estreitado os laços de amizade, apesar de Gris ter sido frequentador assíduo da livraria de usados na qual Xul trabalhava. A maioria das vezes, Gris surgia no meio do expediente, vestindo o uniforme amarelo dos carteiros, carregando a pesada sacola de correspondência sob a qual parecia que o corpo franzino ia, de um momento para outro, vergar, desabar, como o personagem de um desenho animado. A identificação entre eles ocorreu justamente nesta livraria de usados, quando Gris entrou em busca de um livro de contos de Edgar Allan Poe. Adoradores das histórias aterrorizantes de Poe, a amizade iria se intensificar somente alguns anos depois, após Xul voltar de Antonina, onde fora recarregar as energias na casa paterna, devido ao fracasso do primeiro casamento.
O reencontro aconteceu por acaso, quando os dois atravessavam a Praça da Bandeira, nos fundos da antiga rodoviária. Xul, então, aproveitou para convidar o amigo, casado recentemente, para uma exposição que faria por aqueles dias no mezanino da Livraria Don Peiote. Seria, para Xul, a retomada da pintura, com a participação da banda de rock Charlie Toast, mas principalmente a presença de José Mojica Marins, um dos poucos gênios do cinema nacional, mais conhecido pelo personagem Zé do Caixão. Mojica aproveitaria para autografar a biografia “Maldito”, recentemente lançada. Uns dias antes do vernissage, Gris surgiria na casa de Xul com um presente de inestimável valor: um pincel de pelo de marta, da marca Rembrandt. Entre xícaras de café preto, durante a tarde, os dois foram descobrindo pontos em comum, além dos interesses artísticos, culturais; os nomes das mães eram muito parecidos: Maria Dolores e Maria das Dores, a descendência nordestina: o pai de um, de Pernambuco, do outro, do Ceará, números telefônicos, sobrenomes muito próximos etc. A animada conversa avançou pela noite, quando Gris lembrou-se, alarmado, que a mulher já devia ter chegado em casa e podia estar preocupada com a sua ausência. Nessa época, Xul ainda lecionava na rede estadual e vivia no subsolo de um sobrado, abaixo do nível do chão, com os quatro filhos. Despediram-se afetuosamente, combinando o próximo encontro para breve, o dia seguinte.
O encontro ocorreria somente alguns dias depois, num bazar cuja renda era destinada às prostitutas da cidade.
– O que você encontrou aí? – perguntou Gris, olhando para a mão do amigo.
– “Leão de Chácara”, do João Antonio, autografado – respondeu-lhe, orgulhoso do achado, sem deixar de notar a beleza da tímida jovem, de sorriso franco, que acompanhava Gris.
– Essa é Dália, minha... namorada.
– Você quis dizer “sua mulher” – disse Xul, de inopino.
A garota sorriu ruborizada, Gris também. Talvez achassem a palavra “namorada” mais adequada aos dias atuais, sem o peso da tradicional, pesada e possessiva “esposa” ou, pior, “mulher”. Não era o caso de Xul, de uma geração anterior. Não havia como não simpatizar com o casal, o retrato vivo de pessoas felizes, prazenteiras, descobrindo a beleza insuspeitada de um simples pano bordado em ponto cruz ou de um encardido bichinho de pelúcia ou uma velha sombrinha, decorada com corações.
Voltaram a se encontrar na barafunda da exposição na Livraria Don Peiote, local ao qual parecia estar presente toda a população de malucos da cidade. Para tal sucesso, concorreu a presença cativante de Mojica, em primeiro lugar, depois a zoeira da banda de rock e, por último, os quadros de Xul, os quais eram elogiados mais como uma obrigação do que realmente apreciados. O título da exposição, “Xazã! Apropriações Indébitas”, é elucidativo do que o artista entendia sobre arte: de que tudo já fora feito, o mundo entendido como um grande banco de dados, à disposição, de que o artista que ainda se quer original está fadado ao desapontamento, ao fracasso consigo mesmo. Então, poderia misturar tudo, todas as influências, num grande caldeirão e dar às pessoas a alegria enganosa do mundo moderno, embaralhando os procedimentos dos quadrinhos, mais Warhol e Miró, Rauschemberg e Joan Brossa, rock, valsa, sertanejo, blues, propaganda, capas de disco, rótulos de embalagens, pop e vanguarda, afro e retrô, Da Vinci e Duke Lee, bossa nova, Baravelli e Jayme Cortez, Benício e Nico Rosso, Chang e Eng, cartazes de circo, de cinema, pitadas de literatura boa e ruim, um grande sarro de tudo, de todos, de si mesmo. Por que continuar pintando, à saúde de quê? De quem? Samplear era a palavra-chave da exposição, procedimento caríssimo à vanguarda da música de consumo dos anos 90. Portanto, nos delírios de grandeza, Xul via-se como o Grande Sampleador, capaz de agitar o mercado de arte, ao botar todas as influências em um caótico liquidificador anarquizante.
Na semana seguinte, Xul foi à casa de Gris, que o convidara para ver os seus quadros. O que viu deixou-o entusiasmado, o amigo tinha o mesmo procedimento artístico, embora não criasse teorias estapafúrdias sobre isso e aquilo, mas também Gris sampleava o mundo à sua volta, o mundo que o cercava, à sua maneira, mas sem os sonhos de grandeza; a arte, para Gris, era vital, simples, questão de vida ou morte. Aliás, Gris vivia em estado de arte, tudo era para ele passível de se transformar em objeto artístico, o seu dia-a-dia era um fazer artístico contínuo, a delicadeza do mínimo gesto, o batimento cardíaco, a própria respiração, como se pedisse licença a seres alados invisíveis, às sílfides. Decidiram trabalhar juntos.
Um dia, durante uma das muitas conversas, os dois redigiram um manifesto onde expunham o que entendiam como a arte dos novos tempos. O nome do grupo ficou sendo Projeto Amigos Siameses, já que os dois tinham se tornado, em pouco tempo, poucas semanas, um mês, dois talvez, tão próximos um do outro; não se passava um único dia sem que se vissem, quando estavam próximos as ideias vinham à tona, aos borbotões, um copiava o outro, sampleavam-se enfim. Embora já tivessem exposto em Paranapiacaba, a brumosa vila dos ingleses no alto da serra, onde esperaram em vão, na estação ferroviária, o surgimento do fantasma de Jack, o estripador, o ponto alto das suas aspirações estava prestes a se concretizar: a exposição na Funarte. Depois disso, diziam, fariam uma coletiva na Transilvânia, no castelo do Drácula, outra na Antártida, na Terra do Fogo, os locais mais improváveis, outra na Lapônia, com curadoria do Papai Noel etc.
Para a exposição “Para o Alto e Avante!”, o conhecido brado do Superman, na Funarte, os Siameses conseguiram duas caixas do absinto Lautrec, nada mais apropriado já que a deusa verde era a bebida favorita do grande artista francês que primeiro compreendeu que não há dissociação entre arte e propaganda. Os dois ficaram radiantes ao descobrir que o espaço a eles destinado, além de ser o maior do núcleo, levava o nome do antropólogo Darcy Ribeiro, um dos seus ídolos, embora tenham enrabichado os olhos para uma sala menor, a Jorge Mautner. Ao descarregarem as obras para a coletiva, mais de 60 telas e objetos, os montadores, de aparente má vontade, asseguraram que seria impossível acomodar toda aquela tralha naquele espaço, por maior que fosse. Desconsolados, Xul e Gris exultaram quando Giorgy, um sujeito muito prestativo, assegurou-lhes que ele mesmo se encarregaria da montagem. Dito e feito, uma hora antes da abertura, todos os quadros e objetos estavam magicamente dispostos no salão que agora já não parecia tão grande. Então, os dois amigos, suados e cansados de correr para lá e para cá, ajudando o bom Giorgy, puderam sair em busca de gelo no posto de gasolina mais próximo, lavar o rosto, as mãos e o sovaco na pia do banheiro para poderem cumprimentar os convidados que já começavam a chegar.
A novidade do absinto nacional, produzido pela Cinar, foi a sensação da exposição, atraindo o público da sala ao lado, de quadros acadêmicos e vinho branco, inclusive o próprio diretor da Funarte, o poeta beat Dagoberto Pirelli, que, em determinado momento, já alto, conclamava os passantes a entrar, assegurando que ali, naquela sala, sim, estava sendo exposta a “verdadeira arte”. A pouca familiaridade com a deusa verde levou as pessoas a darem vexames homéricos; enquanto um casal de namorados, abraçado, vomitava no jardim, uma elegante senhora, próxima dos 70 anos, muito bem arrumada, colar de pérolas, de cabelos brancos como a neve, trançava as pernas pela sala, dizendo a todos que estava gostando de tudo, mas principalmente da bebida. Em dado momento, ela perguntou a alguém que passava quem eram os artistas. Então, a respeitável senhora de colar de pérolas e cabelos brancos aproximou-se de Xul, cumprimentou-o e pediu, de olhar beatífico, mais uma dose de absinto.
O ponto máximo da exposição foi a chegada de Lucho Sagaz, o enfant terrible das artes, como se Roberto Carlos tivesse chegado, na festa de arromba, em seu novo carrão, arrancando do público ohs de espanto. No folder da exposição, Lucho apresentava os Siameses nos seguintes termos: “ATENÇÃO TODAS AS VIATURAS! Denúncias anônimas avistaram dois elementos na Alameda Nothman, 1058. Tratam-se de Xul Monte e Gris Montez, perigosa dupla conhecida por suas artes modernas, apropriação e processamento plástico de imagens, humor patafísico, jogos pictoverbais, ilusionismo, viagens sem passaporte, composição transgressiva e muitas outras condenações que afrontam a moral e os bons costumes. Muito cuidado ao se aproximarem deles, pois andam sempre armados de boas ideias e seus golpes poderão mudar sua maneira de ver o mundo. Lucho Sagaz, delegado de plantão”. No livro de presença, Lucho deixou gravada a saudação que para sempre definiria os Amigos Siameses: VIVA A BARBÁRIE!
Depois desta coletiva, Gris e Xul ainda fizeram outras exposições, com os sugestivos títulos “Cucamonga Seja Aqui”, “Seria Comix Se não Fosse Sírius” e “Zona Fantasma”, esta em parceria com o quadrinista Zodiak, mas, definitivamente, os dois amigos não estavam dispostos a fazer o jogo do mercado, muito embora tenham pretendido. Só eles sabem quanto tentaram conviver com a alta sociedade, a burguesia que compra obra de arte como investimento. Os dois sentiam satisfação mesmo, além de pintar, em ver as galerias cheias de amigos, se divertindo, bêbados, falando besteiras, os comentários no dia seguinte. O que lhes dava satisfação era vasculhar os bazares espalhados pela cidade, assaltar caçambas em busca de madeiras velhas, armarinhos de banheiro, anões de jardim, certos de que tudo é passível de ser transformado em arte. Numa das últimas exposições, convidados pelo Núcleo Olho Latino, os Siameses tiveram o desplante de utilizar a caixa plástica de um televisor, virada de costas e pintada de preto,“O Filho Bastardo de Dart Vader” seria a última obra conjunta dos dois inseparáveis. Mas o ponto alto da coletiva foi o guarda-roupa que Gris fez transportar da área de serviço da sua casa para a galeria, no qual ele guardava os produtos domésticos de limpeza, sem sequer tirar as teias, nem as pequeninas aranhas de poeira que davam mais vida à obra, que tinha o significativo e duchampiano título “O Coração Verde dos Pássaros”.
Abaixo, encerrando a crônica, segue transcrito o manifesto (retificado), para melhor compreensão, principalmente das gerações futuras, da seriedade do Projeto Amigos Siameses:
“Assim como Humpty Dumpty ou Juca e Chico ou os Sobrinhos do Capitão, os Amigos Siameses são dois cronópios perdidos no Trópico de Capricórnio e caminham pela estrada de tijolos amarelos que nem Dorothy Lamour ousou caminhar, ao som da sanfoninha de oito baixos do Tio Bilia. Eles estão enfrentando (de corpo fechado) o Dragão Vermelho da Maldade, a Bruxa do Mar Morto, encarando de frente o Gargamel e qualquer Houdini sem freio na Ladeira da Preguiça macunaímica, sem pedir licença ao Diabo Loiro e muito menos ao Capitão Virgolino. Os Amigos Siameses não vieram esclarecer nada, eles são nadadores contra as correntes de vento. Muitos pelos contrários, vieram comer a vovó, Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau, mijar no urinol de porcelana do velho Duchamp, além de roubar a barra de chocolate premiada Wonka escondida no pote de biscoitos finos Oswald. Nosso objetivo principal: não enxergar um palmo além da própria nuca, fazer mau uso da terceira visão interiorana, descobrir a cor da calcinha da Mary Poppins, pintar o submarino amarelo de verde e amarelo, servir brioches aos retirantes de Portinari, cheirar o cangote da Betty Boop, atrasar o relógio do Coelho Branco, festejar com o Chapeleiro Maluco o dia do nosso desaniversário, comer sucrilhos com o Dr. Kellog na varanda da casinha da sapé, chutar a bunda gorda da lua e dar uma pitada no cachimbo do Saci Pererê. A Terceira Guerra Mundial não veio, nem o caminhão do gás e estamos exilados numa Zurique de plástico reciclável, bebendo absinto com paçoca no Cabaré Baudelaire, ouvindo no rádio de pilha Eveready a canção Pisa na Fulô, na voz de Ivon Curi, o menestrel do duplo sentido da vida. Quem vai dormir na torre de vigia? João Gilberto Gil ou Bob Dylan Thomas? E, como diria o filósofo chinês Tsé Tsé Tunga, prenhe de razão: macaco velho não usa fio dental”.