sábado, 21 de julho de 2018

ENROLANDO O ROCK - Parte 2 ou FAZER ROCK NÃO É CONTAR PIADA



Edson Negromonte


Como a indústria fonográfica americana, no final dos anos 1950, ainda não estendera seus longos tentáculos na América do Sul e as novidades importadas demoravam certo tempo para chegar ao País, vários artistas brasileiros, uns com pseudônimos, outros desavergonhadamente com os próprios nomes, gravam o ritmo do momento, na língua original. Principalmente as baladas, muitas vezes com arranjos próximos à nossa cultura, que soam como marchinha ou samba-canção e, até mesmo, bolero. Vai sendo criado, assim, através do processo de aculturação, muito próximo ao ocorrido com a valsa brasileira, cujo grande nome é Zequinha de Abreu, e o tango brasileiro, representado pelo genial Ernesto Nazareth, algo que, muitos anos depois, virá a ser conhecido como um produto único e identificável, o rock brasileiro.

Então, várias gravações nacionais vão surgindo para suprir a necessidade do público jovem, ávido por rock’n’roll. Assim, a excelente cantora Lana Bittencourt espertamente "tempera" seus 78rpm, com o ritmo que os sábios da época rotulam como “modismo passageiro”: sua gravação de "Little Darlin'", rotulado como rumba (não se sabia ainda o que era esse tal de rock’n’roll), sucesso do grupo vocal The Diamonds, em outubro de 1957, tem do outro lado a oportunista "Feliz Natal". Na segunda edição, passadas as festas natalinas, consta o baião "Zezé", de grande sucesso. No ano seguinte, Lana grava "Alone", sucesso de Pat Boone, tendo no outro lado a bossa nova "Se Todos Fossem Iguais a Você". Com a receita infalível, “acender uma vela para Deus e outra para o Diabo”, Lana grava mais dois bolachões: "With All My Heart" (no lado B "Quero Ir à Bahia"), e "Just Young" (na outra face "Amor Sem Repetição", de 1959). A título de curiosidade, o grupo vocal The Playings, inventado pelo produtor José Scatena, nada mais é que o sexteto vocal e instrumental Titulares do Ritmo; todos os componentes são cegos. Excelente negócio: seis Ray Charles pelo preço de um. Até o Conjunto Farroupilha, da tradicional música gaúcha, vê-se gravando, em 1957, "Mr. Lee", sucesso do quinteto feminino The Bobbettes. De grande sucesso é o lançamento de "Não Pise no Sapato" e "Skirock, Skirock", a cargo de Os Cometas, conjunto sob nítida inspiração de Bill Haley e que, estranhamente, esclarece no selo do próprio disco tratar-se de Louis Oliveira and Friends. Um dos integrantes dos Cometas é Adilson Ramos, que vem a fazer sucesso na década de 60 com "Sonhar Contigo" e "Turbilhão.

Uma das figuras lendárias do rock brasileiro é o rotundo dançarino e saxofonista Bolão, com os seus Rockettes, que regrava "Short Shorts", hit do grupo The Royal Teens, tendo no lado B "Big Guitar", clássico do rhythm'n'blues. (Bolão era um músico de jazz que prestou bons serviços ao rock'n'roll, era conhecido como excelente dançarino de twist: gênero criado para substituir o rock, quando se acreditou necessário criar outro modismo para suprir as “fúteis necessidades da juventude”). Até Hebe Camargo, que começara imitando as Andrew Sisters, tira uma casquinha do rock, com o original "Serafim". No ano seguinte, em 1959, o cantor e comediante Moacyr Franco, assume a identidade de Billy Fontana, acompanhado pelos Rockmakers, e grava um 78rpm com "Baby Rock", o qual não vinga. Sintomaticamente, ele grava, no mesmo ano, com grande sucesso, a marchinha "Me Dá um Dinheiro Aí", e, no ano seguinte, "Rock do Mendigo", aparentemente encerrando a sua curtíssima fase roqueira. (Em 2003, ainda aproveitando-se do rock’n’roll, Moacyr Franco vê a sua recente composição “Tudo Vira Bosta” fazer grande sucesso na voz de Rita Lee). Também o humorista Paulo Silvino, sob o pseudônimo de Dixon Savanah, integrante de Os Terríveis (a formação deste grupo conta com o bossa-novista Carlinhos Lyra, além de Carlos Imperial e Roberto Carlos), grava "Let's Rock Together", em parceria com Abelardo Barbosa, o Chacrinha, em 1960. Vocês querem rock’n’roll?

Apesar da precária tecnologia dos instrumentos nacionais fabricados pela Giannini e Del Vecchio (guitarras, contrabaixo e amplificadores), o rock instrumental de qualidade fazia-se presente com o grupo The Avalons e os sucessos "Baby Talk" e "China Rock", entre outros, em 1959, cuja formação contava com Solano Ribeiro, criador dos festivais de música popular e da sigla MPB. Outros grupos instrumentais que surgiram antes de The Avalons, mas gravaram somente no início da próxima década: The Fellows, com "I'm Gonna Get Married", em 60, The Jordans, com "Boudah", em 61, e The Jet Black's, com "The Jet", em 1962, todos sob nítida influência da surf music emergente de The Ventures e The Shadows.

O grande acontecimento do final da década, perceptível somente algum tempo depois, é a estréia em disco de um grupo vocal, formado por três irmãos e um primo, chamado The Golden Boys, inspirado nos conjuntos de do wop e nas levadas soul de Roy Hamilton, com "Wake Up Little Susie", sucesso dos Everly Brothers. No lado B, a canção 'Meu Romance com Laura", número musical dos Golden Boys na chanchada "Cala a Boca, Etelvina", estrelada por Dercy Gonçalves. Quando os Golden Boys passam a cantar somente em português, serão de máxima importância para a Jovem Guarda e a MPB, assim como para o que se convencionou chamar, anos depois, samba rock, apesar do termo já aparecer, em 1958, como título de uma gravação do grupo vocal Os Cariocas.

E a história continua.