quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O MENINO DO CHAPÉU DE SAPO


Edson Negromonte

Esta história que ora contarei é muito antiga, há muito tempo é contada e, durante muito tempo será contada, das mais diversas formas, nas mais variadas línguas e dialetos, por toda a eternidade. Essa história faz parte da natureza intrínseca da humanidade, seja nos primórdios de um tempo em que o homem ainda não tinha dominado o fogo e temia a escuridão da noite, seja em um futuro que nem o mais atilado dos perscrutadores divinatórios jamais alcançará sequer supor. Portanto, não atribuam a mim a sua autoria; eu a entrevi em um relâmpago momentâneo em que a mente diurnal cedeu espaço ao negror subjacente, como outros antes de mim perceberam, e outros mais certamente perceberão e a recontarão com suas próprias e lindas palavras, mais adequadas, mais refinadas, às gerações do porvir.

Esta é a história do Menino do Chapéu de Sapo, que vivia em estreita harmonia com o Universo. E o Universo, por sua vez, sentia-se gratificado por ter o Menino do Chapéu de Sapo em consonância com as forças cósmicas. As crianças, à imitação dos pais, quando o percebiam, aproximavam-se do menino e perguntavam, curiosas:

– Quem é você? De onde você vem?

– Podem me chamar de Menino do Chapéu de Sapo, como toda gente tem me chamado, vem me chamando, desde a aurora dos homens. De onde eu venho? Das brumas dos sonhos, essa região onde tudo pode acontecer e para onde vão as mentes cansadas dos homens depois de um dia extenuante de trabalho ou os corações exauridos de amores não correspondidos, ou talvez eu venha do sofrimento dos artistas incompreendidos que vêm antes do seu tempo para abrir as portas do amanhã para os contemporâneos. Venho da região à qual os homens vão em busca de lenimento para as suas dores. Eu sou aquele que às crianças é dado conhecer, na tenra idade, para que não esqueçam que, em seus momentos de amargura, na idade adulta, elas têm para onde correr, a quem recorrer. Eu ficarei gravado em suas recordações mais íntimas, embora disso não lembrem com nitidez, mas intuitivamente vocês seguirão, como buscadores, na noite escura de suas almas, a estreita estrada que leva ao jardim circular onde incessantemente desabrocham as rosas vermelhas da compreensão da missão de cada homem na terra. É necessário que, agora, brinquemos sem preocupação, pois somente uma única vez as crianças têm acesso a esse momento de folguedo, o qual deve ser e continuará sendo raro, uma única vez ele se manifestará. Mas não pensem que, por ser fugaz, esse momento deixará de ficar gravado em suas mentes: todas as vezes que um adulto desesperançado chegar à beira de um banhado e avistar um sapo, e ouvir o coaxar desse sapo, ele terá um vislumbre do caminho, da senda deveras estreita que o levará à compreensão da sua estada nesse plano terreno, à compreensão do Universo, do seu papel no grande esquema cósmico, se ele não se acovardar diante do espinheiro selvagem que obstrui o caminho ao castelo onde dormem os convivas da grande festa... Então, se esse homem ultrapassar todos os perigos, sendo o maior deles a sua própria descrença, descrença essa gerada pelo medo do desconhecido, ele não mais temerá o misterioso Universo porque ele é e será, como sempre foi, o próprio Universo, com todas as suas leis eternas e imutáveis, amorosas e maravilhosas. Eu, o Menino do Chapéu de Sapo, sou a marca indelével que se fará em seu coração de criança e que as pessoas, no dia a dia, no afã de a todos sujeitar à sua pequenez, farão questão de apequenar, de ridicularizar, até de me apagar, como se fosse possível, seja nas escolas, nos templos ou mesmo no seio familiar. Portanto, continuem brincando como se nada tivesse acontecido, como se eu fosse uma aragem que tivesse passado por seus corpos e, momentaneamente, apenas momentaneamente, os enregelasse. Eu sou a Morte que leva à Vida, à verdadeira Vida, à Vida que todos os homens, mais cedo ou mais tarde, terão de viver.

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