terça-feira, 11 de agosto de 2009

O CORVO

poema de Edgar Allan Poe
tradução de Edson Negromonte


Monotonia da meia-noite; meditava, cansado, a ler
No caro e curioso Volume de Arcana Sabedoria -
Cochilando, quase sono; súbito, de leve batendo,
Alguém gentilmente chamando, chamando à minha porta,
“É visita,” resmunguei, “batendo à minha porta:
Somente isso e nada mais.”

Ah, nitidamente me lembro daquele gélido Dezembro
E as brasas em agonia forjavam fantasmas no assoalho.
Ansioso pela manhã, foi em vão o consolo do canto
Dos livros pra parar o pranto - pranto por lembrar Lenora,
Rara e radiante mulher que os anjos nomeiam Lenora:
Inominável mais e mais.

E o surdo incerto sussurro de seda da cortina púrpura
Estremeceu-me - encheu-me de fantásticos terrores;
Fiz a frase para acalmar as batidas do coração
E repeti: “É um visitante pedindo entrada à minha porta:
Sim, é isso e nada mais.”

Logo minha alma fez-se forte; sem hesitar por muito tempo,
“Senhor,” disse, “ou Senhora, suplico seu perdão, imploro;
Mas, de fato, estava dormindo, você gentilmente batendo,
E assim fracamente chamando, chamando à minha porta,
Difícil, incerto ter ouvido” - aqui, escancarei a porta -
Escuridão, nada mais.

Âmago da escuridão perscrutando, ali sondando,
Sonhando sonhos que nenhum mortal ousou jamais sonhar;
Na quietude que tudo toca, silêncio contínuo inquebrável,
E o único som que se ouviu foi num sussurro “Lenora!”,
Sussurrei, e ecoou num murmúrio e retornou sem cor “Lenora”:
Mera lei e nada mais.

De volta ao quarto retornando, por dentro a alma queimando,
Logo ouvi de novo chamando, pouco mais alto, deve ser.
“Com certeza,” falei, “por certo, há alguma coisa na janela;
Vou ver de que se trata então e o mistério esclarecer -
Deixo o coração sossegar e o mistério esclarecer:
É só o vento e nada mais.”

Com grande tranco destranquei a janela, e, filho da fúria,
Embarafustou-se altivo o Corvo dos dias de outrora.
Nem a menor mesura fez; nem um minuto se deteve;
Porte de senhor ou senhora, empoleirou-se na porta,
Empoleirou-se no busto de Palas no alto da porta:
Justo ali e nada mais.

Um bardo de ébano burlando-me da doce fantasia, e sorrindo
Ante o grave e austero decoro e compostura -
“Apesar da crista raspada rente, tu és seguro e crente,
Horrível, venerável Corvo errante nos ermos da noite:
Diga, então, teu nobre nome é dos ermos de Plutão?”
Grave o Corvo, “Nuncamais.”

Espantou-me a deselegante ave, ao ouvir-lhe replicante,
Apesar de reticente - resposta pouco pertinente;
E há de concordar conivente, nunca nenhum ser vivente
Jamais foi abençoado com pássaro vidente sobre sua porta,
Bardo ou besta sobre o busto esculpido sobre a porta,
Com tal nome “Nuncamais.”

Cavo corvo encravado justo ali no plácido busto,
Toda sua alma nesta palavra, era uma forma de florão.
E nada além disso ele disse, doloroso dorso do riso;
E não mais que num murmúrio - “Amigos, todos se foram;
À aurora ele também irá, assim como todos se foram.”
O bardo bradou, “Nuncamais.”

Assalto ao silêncio por réplica, resposta, de pronta ciência,
“Sem dúvida, o que repete é só a refração de um refrão,
Conversa de mestre infeliz em desesperada desgraça
A vociferar feroz sua breve e brusca canção:
Endecha a irromper em bruna e breve e brusca canção
Nesse ‘Nunca - nuncamais.’”

Foi o corvo burlando-me de toda triste fantasia;
Sorrindo trouxe um coxim e sentei ali em frente ao bardo,
Ao busto, à porta; no veludo afundando, fui religando
Fatos, fantasia, buscando se o ominoso bardo de outrora,
Se o deselegante, lúgubre e ominoso bardo de outrora
Só crocita “Nuncamais.”

Ocupado conjeturando, nenhuma sílaba exprimindo
À ave dos olhos de fogo; no meu peito ainda a queimar;
Assim sentado adivinhando, a cabeça logo reclinando
Na almofada de veludo, à luz do lampião a volutear,
De veludo violeta, à luz do lampião a volutear,
Era ela, ah, nunca mais!

Tocou-me, então, um ar frio e denso, e, um intraduzível incenso,
E um frágil e fresco serafim, acima do assoalho, revoa.
“Desgraçado,” gritei, “por fim, Deus deu-te alento - recebes
Repouso - repouso e nepente às tuas lembranças de Lenora!
Prova, oh prova o doce nepente, e olvida a lívida Lenora!”
Aprovou o Corvo, “Nuncamais.”

“Profeta!”, falei, “ser odiado - ainda profeta, bardo ou diabo!
Que tentador ou tempestade lançaram-te a este lodo,
Desolação que tudo dana, terra deserta de encantos -
Retiro onde ruínas rondam - diga a verdade, imploro:
Há o bálsamo de Galaade? Há? - diga - diga, eu imploro!”
Cortou o Corvo, “Nuncamais.”

“Profeta!” falei, “ser odiado - ainda profeta, bardo ou diabo!
Pelos céus suspensos ao longe, pelo Deus que ambos adoramos,
Fala à minha alma que, sem calma, reclama, lá no distante Éden
Aplacar a saudade daquela que anjos nomeiam Lenora:
Rara e radiante mulher que anjos nomeiam Lenora!”
Cortou o Corvo, “Nuncamais.”

“É uma ordem, signo, vai-te!, vate das profundas!,” estridente,
“Volta à tempestade,” entre dentes, “aos ermos noturnos de Plutão!
Leva os truques que me distraíram, leva o azar de tua asa, só farsa!
Deixa-me à solidão que enlaça! Deixa o busto sobre a porta!”
Cortou o Corvo, “Nuncamais.”

E o Corvo, curvado, nem aflito, está sentado, está sentado
No pálido busto de Palas justo sobre minha porta;
E seus olhos semelhantes aos de um demônio a dormir,
E a luz do lampião tremulando, traduz sua sombra no assoalho:
E minha alma já sem flama, da sombra flutuando no assoalho
Livrar-se-á - nuncamais!

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