quinta-feira, 1 de abril de 2010

P.S. AO MÁGICO DE OZ


por Edson Negromonte

Um ano depois de Dorothy voltar ao Kansas, a tia Em morreu. Desesperado, tio Henry caiu na bebida e, um dia, desapareceu na estrada, que não era nem de longe a dos tijolos amarelos, para nunca mais voltar. Só, a menina buscou em vão consolo no cachorrinho Totó que, coitado, ao voltar de Oz, passara a agir de maneira estranha, latindo a noite toda para os passarinhos que se abrigavam na goiabeira em frente da casa, até que, uma manhã, apareceu pendurado pelas imensas orelhas (como as orelhas de Totó tinham crescido após a estranha viagem) nos galhos da árvore. Daí em diante, Totó passaria a agir de modo mais destrambelhado, buscando auxílio com as ratazanas, tidas como as melhores cirurgiãs plásticas do reino animal. Elas, então, o atraíram para o milharal, transformando-o em uma grande ratazana, bem de acordo com o seu padrão de beleza. Não mais reconhecendo o animalzinho de estimação, Dorothy encurralou Totó num canto da casa e matou-o a vassouradas. Onde já se viu uma ratazana latindo? O sangue respingara pelas paredes da sala, um quadro deveras assustador, digno de Jackson Pollock. Mais solitária ainda, a agora adolescente Dot, como passaremos a chamá-la daqui em diante, resolveu deixar para sempre o Kansas e embarcar num poético cargueiro do Lloyd, lavando o porão. No navio, conheceu uma lagarta baiana que arrastava uma pesada mala de couro, forrada de pano forte, brim cáqui, repleta de paraísos artificiais. Mas como Dot podia se contentar com estados tão fugazes? Logo ela, que tinha saboreado o verdadeiro paraíso da terra de Oz. Numa escala no porto de Santos, a adolescente deu adeus à vida marítima e pegou um ônibus. Na capital, errou de emprego em emprego; balconista na 25 de Março, faxineira no Center Norte, acompanhante de velhinhas indefesas, portaria de motel... Uma noite, na pensão onde morava, Dot teve uma ideia brilhante, mas tão brilhante que lâmpadas de 100 watts acenderam ao redor da sua cabecinha loira. Como não sabia fazer mesmo nada na vida, resolveu se tornar escritora. Durante a madrugada, começou a escrever um livro de auto-ajuda; para entender a si mesma, é claro. Pela manhã, insone, mostrou-o à dona da pensão que, compadecida da adolescente solitária, tinha se tornado sua amiga íntima. O destino, manhoso, estava aprontando mais uma: o manuscrito acabou circulando entre os moradores do pardieiro, que muito agradeciam as palavras de orientação em um mundo cada vez mais conturbado e sem perspectivas. Ajudada por Baum, morador da pensão, ela criou um blog, no qual ia publicando aos poucos os capítulos do livro, conforme ia escrevendo, reescrevendo, dando-lhes a forma definitiva; sim, ela adquiria os cacoetes dos grandes escritores. As sábias palavras da moça do Kansas caíram tão de imediato no gosto popular que ela chegou a ser chamada, pelos seguidores, de Paulo Coelho de saias, embora usasse shorts, com as belas pernas bem torneadas sempre à mostra. Um conhecido editor, de uma grande editora, ofereceu-lhe um bom contrato. Dot recusou peremptoriamente, é claro, a grande arte não está à venda. Mas quando o Big Porco, de terno Armani e gravada de seda, ofereceu uma gorda participação nos lucros, os belos olhos azuis de Dot cresceram, tornando-se mais azuis ainda. No lançamento do livro, multidões acorreram à livraria em busca de um autógrafo, mas Dot, embora toda sorrisos, não conseguia disfarçar o grande medo sempre presente em seu coraçãozinho de palha.

2 comentários:

  1. Acho que essa é uma curiosidade que todos têm. O que aconteceu com o casamento da Branca de Neve? E a Alice, não teve problemas com drogas depois daquela viagem? Nínguém prendeu os três porquinhos depois de ter cozinhado um lobo?
    Achei essa do Mágico de Oz, muito criativa.

    ResponderExcluir
  2. Uma verdade absoluta: sempre que alguém escreve um conto atemporal que nos faz sonhar no meio de toda essa porcaria de realidade que vivemos, vem algum engraçadinho sem graça, colocar nesse conto mágico essa porcaria de realidade que vivemos. podemos ficar sem isso.

    ResponderExcluir