segunda-feira, 29 de março de 2010

BUCK ROGERS, O PIONEIRO


por Edson Negromonte

Se você gosta de aventuras espaciais das antigas, daquelas em que o herói ainda estava inventando o foguete, o cinto antigravidade, pistolas de raio laser e até a minissaia (nossa, como isso é velho!) não deve deixar de assistir “Buck Rogers”, o seriado de 1939; são 12 capítulos cheios de perigos e muita, muita inocência. Este “Buck Rogers” é aquele que seu pai, ou avô, conta que assistiu num programa de nome Globinho e ninguém acredita, junto com “Flash Gordon no Planeta Mongo”, outro grande seriado da década de 30, ambos interpretados pelo mesmo Larry “Buster” Crabbe (1907/1983), campeão olímpico de natação (medalha de ouro nos 400 metros) que encarnava perfeitamente o ideal do herói e por quem as mocinhas daquele tempo babavam, e os meninos imitavam o corte de cabelo.
O primeiro seriado de Buster Crabbe foi “Tarzan, o Destemido”, o qual até hoje se pode assistir como um dos melhores filmes de Tarzan, mesmo levando-se em consideração o clássico Johnny Weissmuller, outro campeão olímpico de natação, o qual tinha síndrome de Down e venceu muitas das suas deficiências quando o médico do garoto recomendou aos seus pais a natação como terapia por excelência para problemas mentais. Tanto que chegou a ser considerado o físico mais perfeito do cinema.
Buck Rogers, criado por Phil Nowlan (texto) e Dick Calkins (desenho), estreou nas páginas de quadrinhos dos jornais em 7 de janeiro de 1929. Vale aqui lembrar que, na concorrência entre os jornais americanos, os quadrinhos tinham grande peso, já que o leitor comum lia as páginas com os personagens favoritos antes das notícias do dia. Buck Rogers é o homem do século 20 que acorda de um sono de 5 séculos, em pleno século 25, encontra a Terra semi-destruída e tomada pelas forças do Mal, personificadas por Killer Kane, interpretado por Anthony Warde. É claro que, como todo herói que se preza, ele conta com a ajuda da mocinha Wilma, a atriz Constance Moore. O vestuário de Wilma serviu de inspiração para muitos costureiros dos anos 1960. Até minissaia ela já usava, exibindo um belo par de pernas. Atenção, somente nas HQs! No seriado, levando em conta o público-alvo, Buck ganha a companhia do menino Buddy (Jackie Moran). Sem esquecer o cientista Dr. Huer (C. Montague Shaw), responsável por todas as engenhocas modernas de um futuro distante; muitas delas já se tornaram realidade para nós antes do final do século 20.
Buck Rogers foi o primeiríssimo herói espacial dos quadrinhos, apesar de Flash Gordon, uma das suas melhores cópias, ser hoje muito mais conhecido. Outra cópia famosa de Buck Rogers, que também vale a pena conhecer, é Brick Bradford. Nos anos 50, do século passado, surgiu a primeira série de Buck Rogers para a TV, com Ken Dibbs, no papel principal, e Lou Prentiss, como Wilma. Nos anos 70, Buck Rogers tornou-se uma das séries mais bregas da história da TV, “Buck Rogers no Século 25”, com Gil Gerard, na pele do herói, e a atriz Erin Gray, nas malhas colantes de Wilma Deering. Além de um robozinho impertinente, Twiki, interpretado por Felix Silla (o anãozinho por baixo da fantasia do Primo Itt na série de TV “A Família Addams”) com voz de ninguém menos que Mel Blanc, que entre outras tantas fez as vozes do Pernalonga e do Barney Rubble, de “Os Flintstones”. No 2o. episódio desta série, o primeiro Buck Rogers, Buster Crabbe faz um cameo, como o piloto aposentado Brigadeiro Gordon, em homenagem ao seu personagem mais famoso, Flash Gordon.
Curiosamente, em 1976, Buster Crabbe esteve no Brasil lançando seu livro sobre saúde e forma física, “Energetics”, quando, numa entrevista, declarou: “Marte? Eu também estive lá, há 40 anos!”

terça-feira, 16 de março de 2010

RECORDAÇÕES DO VELHO BIBLIOTECÁRIO



por Edson Negromonte

Ao mudar para a minúscula cidade litorânea, aos pés da Serra do Mar, além de descobrir outros interesses, como o sexo oposto, a poesia e o rock’n’roll, deparou pela primeira vez com um escritor de verdade, publicado por uma grande editora paulistana. Narrando, na primeira pessoa, as suas aventuras no mar, Sven Andersen era afável, de miúdos olhos azuis, sempre disposto a entabular uma boa conversação com alguém de menos idade, pronto a dar conselhos, quase todos a partir da sua vivência marítima. Ou assim fazia parecer.
Com Sven, aprendera sobre mitologia e teatro gregos, sobre filosofia, os pré-socráticos, em longas conversas informais, intermináveis, na varanda da casa, em meio a tragadas de Marlboro e, eventualmente, de uma providencial cannabis, quando então davam muitas risadas, ante a impossibilidade de poderem cuspir, a pouca saliva ficava-lhes presa, teimosa, como cola branca, tenaz, nos lábios. Riam, duas crianças, dos olhos vermelhos um do outro, planejavam então uma viagem às Galápagos, num veleiro negro, de velas brancas, piratas redivivos, ou dariam a volta ao mundo, num balão, em menos de 80 dias, só para fazer inveja a Júlio Verne. Por fim, se alistariam, sim, com certeza, na Legião Estrangeira. Um leve sorriso, nostálgico, dançou em seus lábios.
A decoração da casa de Sven, desde as camas até os pratos e talheres, era toda feita do saque a navios encalhados na costa de Paranaguá, como o panamenho Santa Maria de las Visiones e o tailandês Mongkut. A mornidão daquelas tardes... O menino bebia cada gota das palavras do velho. Veio-lhe, de supetão, à memória, uma madrugada, quando estavam os dois a assistir à Sessão Coruja, a um filme dos anos 50, com muita rebeldia e dança. Quando o jovem disse que achava a dança da geração de Sven muito mais interessante que a dele, o velho foi categórico ao afirmar que a nova geração era muito mais livre, sem aqueles passos marcados, acrobáticos, pondo-se imediatamente de pé, a agitar os braços e as pernas em movimentos desengonçados, tal e qual um mamulengo baratinado. A última notícia de Sven é que está com quase 80 anos, cheio de saúde, vivendo numa colônia de pescadores, em Santa Catarina, que abandonou o cachimbo, sobe ladeiras íngremes sem demonstrar o mínimo cansaço, e que se tornou um reconhecido mestre de uma arte marcial qualquer, uma espécie de guru.
– Ah, bons tempos! – exclamou o velho bibliotecário.
– Não diga asneiras!
– O quê? Quem está aí?
– Aqui, ó!
O homem recusava-se a acreditar. De um buraco no rodapé corroído, ao lado da escrivaninha, um camundongo o admoestava.
– Não vês que já se passaram mais de vinte minutos do teu expediente, pobre funcionário público municipal? Veste o teu casaco e vai embora, vai pra casa, descansar, que estou morto de fome e preciso roer alguma coisa. Quem sabe, as obras completas de algum poeta parnasiano... Ou o saboroso miolo de um atlas de anatomia humana, todo em cuchê. Uhm! Vai-te, vai-te! Xô!

quarta-feira, 10 de março de 2010

alguns hai kais do livro "hai kais", pela editora Noa Noa, 1984

por Edson Negromonte

o trem atravessa
trêmulo
o trigal

silencioso
observo
o
coito
das moscas

há a rosa oriente
ao oriente
do oriente

alguns poemas do livro Ruídos, pela editora Alden, 1986

por Edson Negromonte

mas
matsuo suou
até baixar
bashô

todo instante
vibram notas
tantos tontos
nem notam

dias passam
viram passas
palácios do paladar

fantasmas
do meu sótão
coleridge wordsworth
tennyson tantos outros
nem sequer me notam
e arrotam

quarta-feira, 3 de março de 2010

ANTHONY QUINN EM ANTONINA


por Edson Negromonte

A figura corpulenta de Anthony Quinn estará para sempre colada nas paredes da memória, principalmente pelos filmes “Sede de Viver” e “Zorba, o Grego”. Neste, Quinn vive o personagem principal de maneira tão soberba que levou-me, curioso, a ler o livro homônimo de Nikos Kazantzakis, enquanto “Sede de Viver”, assistido na TV, no qual interpreta à perfeição o pintor pré-expressionista Gauguin, plantou nas células de minha incipiente educação sentimental o gosto pela vagabundagem e a pretensão às artes plásticas. “Sede de Viver” teve também o dom de despertar a busca pelo livro no qual tinha sido inspirado. Encontrei-o em Curitiba, sob o título “A Vida Trágica de Van Gogh”, ajudado pelo paciente balconista de uma pequena livraria, resquício de um tempo em que os atendentes desses estabelecimentos comerciais ainda tinham disposição para servir um cliente à procura de algo que nem ele mesmo sabia muito bem o que era. Devo ainda acrescentar que Van Gogh era vivido por Kirk Douglas, já que o holandês é o personagem principal, tanto no filme de Vincente Minnelli quanto do romance de Irving Stone, mas também não se pode dizer que Gauguin tenha sido mero coadjuvante. Outros bons filmes foram feitos sobre Gauguin, como “A Mente Selvagem”, com David Carradine, e “Um Lobo Atrás da Porta”, com Donald Sutherland. Também memorável é a atuação de Martin Scorsese, como Van Gogh, em “Sonhos”, de Akira Kurosawa. A perfeita transposição dos quadros para a magia quase tridimensional do cinema, principalmente “Trigal com Corvos”, é de deixar qualquer um de queixo caído. Como esses filmes e livros estão intimamente ligados a minha vida na cidade de Antonina, é justo que eu descreva agora a breve passagem de Anthony Quinn pela pequena aldeia litorânea, distante uns 80 quilômetros da capital paranaense.
Em julho de 1998, o diretor Ricardo Bravo viu a cidadezinha de Antonina como a locação ideal para o longa-metragem “Oriundi”, no qual Quinn interpreta o patriarca Giuseppe Padovani. No Brasil, este filme receberia o sugestivo subtítulo de “O Verdadeiro Amor é Eterno”. No elenco nacional, os nomes de Paulo Autran, Letícia Spiller e Paulo Betti. Mas o velho ator recusou-se peremptoriamente a botar os pés no lodo que há muito tempo se instalou na baía antoninense. A aparência atual das nossas águas negras é de meter medo até mesmo em quem, na juventude despreocupada, costumava nelas mergulhar, saltando do trapiche do mercado. Tanto a estrela bateu o delicado pezinho que a equipe se transferiu de mala e câmeras para o Pontal do Paraná, onde as águas eram aparentemente limpas, onde ocorreu o conhecido encontro de Quinn com a menina Maria Rosa, de 11 anos, que ele cismou de ser a reencarnação de um grande amor de uma de suas vidas passadas. Nós, os orgulhosos antoninenses, demos de ombros para a recusa de Quinn; já tínhamos no currículo urbano a presença esplendorosa de Irene Stefânia, mais Regina Duarte e Reginaldo Faria, em “Lance Maior”, sob a direção de Sylvio Back, exibido em 1968 (o mesmo ano da estreia nacional), no Cine Ópera, atual Theatro Municipal, o mesmíssimo prédio onde Back, ainda menino, despertou para a sétima arte, nos anos 40. Sem nenhum despeito, perguntávamos então um ao outro, em tom de galhofa: Antônio quem?
E para quem disser que a passagem de Anthony Quinn por Antonina é mais uma invencionice, basta ir ao Albatroz, para boquiaberto admirar uma foto na parede. Nela, pode-se ver o grande ator ao lado de Leônidas, vulgo Tata, o proprietário do restaurante no qual ele deve ter se deliciado com casquinhas de siri e bolinhos de camarão. Agora, com licença, que vou à caça de outro tesouro esquecido que os cronistas da cidade deixaram de registrar: a visita de Jackie Onassis à terrinha.