terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O AVÔ PATERNO


Edson Negromonte

Íamos de trólebus para o centro da cidade, eu e meu avô Oscar. Nesse tempo ainda nem se ouvia falar na construção da ponte que ligaria Niterói à cidade do Rio de Janeiro e, fizesse sol ou chovesse, a estátua de Araribóia contemplava majestosamente a Baía da Guanabara. Atravessava-se para o outro lado nas chamadas barcas. Na estação, cartazes avisavam "Perca um minuto na vida, mas não perca a vida em um minuto". Nesse tempo, íamos os dois de trólebus, por ser mais econômico, lado a lado, no carro aberto, de bancos de madeira. Meu avô, depois de perder a fortuna, conquistada a duras penas, resolveu ensinar aos netos a arte da poupança. Andar nesses já então antiquados elétricos, deslizando sobre precários trilhos, soltando perigosas fagulhas dos cabos, era uma das suas mais costumeiras lições.

O avô pernambucano trabalhara desde menino. Primeiro, numa padaria, para ajudar no orçamento doméstico. Vendo-o comer um pãozinho durante o expediente, o dono da padaria ficou furioso e deu com uma ripa na cabeça dele. Na ponta da ripa havia um prego, enferrujado, que se enterrou na cabeça da criança. Despedido, arranjou-se, então, vendendo condimentos na feira. Após entregar o grosso do dinheiro para o pai, o meu futuro avô guardava as poucas moedas restantes num migalheiro, o tradicional cofre de barro do Nordeste. Depois de dois anos, curiosos, o menino e o pai resolveram quebrar o pesado migalheiro. Deu-se que puderam comprar uma pequena casa, a qual ainda está de pé na cidade de Paudalho, perto de Recife. Essa passagem da sua infância, meu avô fazia questão de contá-la todas as vezes em que ele ficava sabendo que eu torrara, em gibis e doces, a minha mesada e mais o dinheiro ganho com a venda de jornais e garrafas. Eu, insaciável, gastava tudo em Fantasma, Águia Negra, Nick Holmes, Texas Kid, Targo, Jerônimo, o herói do sertão (o meu favorito, por causa do Moleque Saci), maria-mole, torrone e uvas-passas da Sönksen.

Certa vez, passeando pelo Mercado Municipal, entre os cheiros desencontrados de café moído na hora, fumo e charque, com a mão angulosa em meu ombro, o homem calvo, magro e de orelhas de abano disse-me lapidar, sem mas nem porquê, mas fundamentado na sabedoria áspera de homem do sertão:

– Ninguém é seu amigo... a não ser o seu pai.

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