terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O POETA DE PROVÍNCIA

Edson Negromonte

- Olhe quem chegou!
- Então, ele frequenta mesmo o bar!
Nas mesas, as pessoas viravam-se para assistir a chegada do velho poeta, a glória da cidade, o único que conseguira ultrapassar as fronteiras do Estado. Cochichavam que ele estava ficando cada dia mais taciturno, mais arredio, mais boçal. Uns atribuíam isso à fama, a qual chegara repentinamente, quase sem merecimento, somente por causa da política recente das editoras, de buscar novos valores fora do eixo Rio-São Paulo. Outros, com uma ponta de inveja, diziam que os seus poemas nem eram tão bons assim, que fulano era muito melhor, que sicrano já fazia aquele tipo de poemas, semióticos, muito antes dele. Evidentemente, não citavam os próprios nomes, mas isso estava subentendido, é claro.
Não precisou que chamasse o garçom, a primeira dose de vodca foi levada à mesa. Era um habitué do lugar.
- Veja como está acabado, anda usando fralda geriátrica.
- Dizem também que não dá mais no couro, que a bebida levou-lhe as forças...
- Quem mandou não se cuidar. Eu bebo a minha cervejinha todos os dias, com moderação. Não quero acabar desse jeito não, brocha.
Os amigos não conseguiram conter a risada. Fazendo de conta que nem era com ele, o velho poeta, com ares de poeta oficial, sorveu deliciosamente mais um gole da vodca. Cansara de aceitar provocações, ele agora era respeitado, apesar de ter perdido tudo o que tinha de mais caro, justamente na época em que o tão almejado reconhecimento chegara. Pretendendo ser humilde, sem pose, gostava de ir ao sujinho em busca de inspiração. As musas chegavam-lhe depois da terceira dose; infalíveis. Podiam lhe soprar uns versinhos sarcásticos ou, se estavam de veneta, um poema visual, feito a partir de rótulos de embalagens, como se passeassem de braços dados por um grande supermercado. Era consciente de que a bebida tinha lhe levado a família, a mulher, as filhas, mas sabia-se impotente diante da deusa transparente. Quantas vezes jurara para si mesmo que aquela seria a última dose, depois a penúltima, a antepenúltima, para tudo terminar na construção de um belo poema de rimas proparoxítonas, aplaudido pela crítica, evidentemente.
A solidão lhe era doce, inspiradora. Um haicai sobre essa condição estava se formando, vindo à tona, nos rabiscos que fazia no guardanapo de papel, branco, quando percebeu uma sombra aproximando-se da mesa, crescendo insinuante, ondulante. Quem ousava chegar assim, sem ser convidado, à mesa do grande poeta? – pensou, disposto a mostrar toda a sua indignação. Ergueu os olhos e deparou com a adolescente, agora estendendo um dos seus livros em sua direção, quase tocando os seus cultivados bigodes de Pancho Villa. Como recusar um autógrafo para aquela belezinha?
- Qual o seu nome? - pergunta melífluo o poeta.
- Não precisa se preocupar com isso não. Só quero o meu dinheiro de volta. Vim devolver essa porcaria, comprei enganada pela crítica, essa gentinha que pulula nos cadernos de cultura dos grandes jornais.