segunda-feira, 20 de agosto de 2018

ENROLANDO O ROCK - Parte 4: A TURMA DA TIJUCA



Edson Negromonte


No Brasil, o rock já rolava à toda. Vários jovens, nos seus bairros, formavam grupos e agiam como rockers, embora não entendessem muito bem o significado disso. Sabiam, e isso estava muito claro em suas cabeças, que os velhos, ou melhor, a música dos velhos não estava com nada. Assim, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, alguns desses garotos da época reuniam-se para trocar informações, aprender novos acordes e ouvir discos. Entre eles, estava o futuro Rei do Rock, Roberto Carlos, seu eterno parceiro e o mais fiel e digno roqueiro brasileiro, o tremendão Erasmo Carlos, e alguém que despontaria anos mais tarde e criaria a soul music brasileira, Tim Maia. Ah, mas havia uma figura de suprema importância, não só para o rock, mas para a música brasileira em geral. Ou melhor, para a música universal. Era Jorge Ben, hoje Jorge Benjor, às vezes, Ben Jor, e nascido Jorge Duílio Lima Menezes, gravado por José Feliciano, Herp Albert, escandalosamente surripiado por Rod Stewart.

O garoto Jorge vivia para a música desde a mais tenra idade, ouvindo discos de jazz e blues trazidos por um primo marinheiro e tentando tirar, de ouvido, aqueles acordes complicados e intrincados da bossa nova, sem deixar de estar atento à música jovem da época, o rock'n'roll. Tanto, que ganhou o apelido de Babulina, devido a sua paixão pelo sucesso de 1958 "Bop-A-Lena", do americano Ronnie Self, o Little Richard branco.

Em 1961, aos 19 anos, ele podia ser visto tocando pandeiro no jazzístico Copa Trio, do Beco das Garrafas, cantando rock na boate Plaza, assim como músicas próprias. Forjava, assim, a revolução permanente da sua arte, referência obrigatória para todas as gerações.

Em 1963, suas músicas "Mas que Nada" e "Por Causa de Você, Menina" são cantadas por ele mesmo em um disco do Copa Cinco, o qual contava com o lendário baterista Dom Um Romão. Neste mesmo ano, além das duas músicas serem lançadas num 78rpm, gravaria seu primeiro LP, "Samba Esquema Novo". Conforme o título deixa explícito, ele rompia com o samba, seja tradicional ou bossa novista, através das letras inovadoras mas, principalmente, através de uma batida de violão que não tinha nada a ver com o instrumento acústico, mas com a guitarra do rock, ou melhor, com o toque da palheta nas cordas de aço da guitarra elétrica. Para acompanhá-lo nas gravações, chamou os colegas de jazz do Beco das Garrafas, já que os músicos de estúdio, afeitos ao regional e ao quadradinho do rock, não entendiam aquelas harmonias novas e complicadas, muito menos aquelas divisões estranhas aos ouvidos desavisados. Mais tarde, eletrificaria de vez o samba, mormente em "O Bidu - Silêncio no Brooklin", de 1967, quando chama o conjunto The Fevers para acompanhá-lo na faixa "Jovem Samba".

Inqualificável, Jorge Ben tinha liberdade plena e transitava entre os vários programas musicais da época, inimigos figadais entre si. Quem fosse ao Fino da Bossa, sob as ordens da bossa novista Elis Regina e do sambista Jair Rodrigues, não poderia, em hipótese alguma, participar do Jovem Guarda, comandado pelos rockers Roberto e Erasmo Carlos e a ternurinha Wanderléa. Ele ainda podia ser visto em O Pequeno Mundo de Ronnie Von, ao lado dos Mutantes, os quais gravaram dele, em seu primeiro disco, "Minha Menina". Paradoxalmente, Ben não está na letra de "Festa de Arromba", o quem é quem do rock, do seu amigo Erasmo, muito menos em "Arrombou a Festa", da mutante Rita Lee. Como um estranho no ninho, incapaz de ser rotulado, o filho do seu Augusto, pandeirista do bloco Cometa do Bispo, e da etíope Silvia Saint Ben Lima, será de capital importância para o movimento tropicalista, com misturas inusitadas de tradição e modernidade.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

ENROLANDO O ROCK - Parte 3: JOVENS TARDES DE DOMINGO SEM FUTEBOL




Edson Negromonte

É sintomático que, em 1962, quando o fenômeno do rock inglês começa a tomar conta das paradas mundiais, com "Love Me Do", dos Beatles, os pioneiros do rock brasileiro já estivessem saindo de cena. Celly, a Namoradinha do Brasil, que chegou a comandar com o irmão Tony um programa de TV, o Crush em Hi-Fi, deixara seu curto reinado para casar com o namorado de escola, indo viver em Campinas, como uma pacata dona de casa. E Tony Campello, roqueiro de boa cepa, ao perceber a perda da inocência inicial, passa a atuar nos bastidores, como produtor musical, por não compactuar com aqueles garotos de terninhos bem cortados. Tony ainda faria algum sucesso, cantando um novo e passageiro ritmo, na sacolejante "Vamos Dançar o Twist", além da versão "Boogie do Bebê", para o sucesso “Baby Sittin’ Boogie”, de Buzz Clifford.

Uma nova geração mais cínica em relação ao mercado insinuava-se. No ano de 1963, Roberto Carlos lançaria, com grande sucesso, "Splish Splash", versão de Erasmo para o hit de Bobby Darin. Em 1964, aconteceu o golpe militar que levaria os generais ao poder durante os próximos 20 anos. Enquanto isso, os jovens esbaldavam-se com o verdadeiro hino do rock brasileiro: "Rua Augusta", composição do cinquentão Hervé Cordovil, na voz do filho Ronnie Cord, nascido Ronald Cordovil, sobre a paixão juvenil por máquinas velozes e furiosas. Singelamente, em contraposição à transviada e perversa “Rua Augusta”, Roberto Carlos grava "Calhambeque", doce versão de Erasmo para o sucesso "Road Hog", de John Loudermilk, mantendo da letra original, sobre os típicos rachas de carro, somente o beep beep. A canção foi lançada, no Brasil, em um flexi disc promocional da caneta Sheaffer. Em 1965, os publicitários da agência Magaldi & Maia Publicidade, de São Paulo, viram no movimento emergente a chance de aproveitar o horário ocioso das tardes de domingo, na TV Record, impossibilitada de transmitir os tradicionais jogos de futebol, para evitar os estádios vazios. Assim, em uma jogada de marketing, criou-se o programa Jovem Guarda, nome advindo da vanguarda comunista russa, patrocinado pela Shell, para aglutinar os jovens telespectadores da época e, consequentemente, vender os produtos da nova marca Calhambeque: roupas, bonés, botinhas, bonecos etc. Era a ascensão de um novo rei: Roberto Carlos (alguém que, na verdade, queria ser, apenas, João Gilberto, o papa da bossa nova), da rainha Wanderléa, acompanhados pelo valete Erasmo Carlos. Iniciava-se, assim, para o grande público, a idolatria de uma juventude aparentemente sadia. Mas, nos bastidores, enquanto o Rei ficava com as filhas, o valete Tremendão comia as mamães. E a droga rolava solta, principalmente no apartamento do produtor Carlos Imperial, em festas que chegaram a ser noticiadas pelos jornais como “orgiásticas”. O eterno bad boy Erasmo, hoje setentão, grava, neste ano de 1965, o seu primeiro long play "A Pescaria", onde consta o sucesso do ano anterior "Festa de Arromba", o who’s who do rock brasileiro da época, além da curiosa "Beatlemania", composição dele e Renato Barros, guitarrista e vocalista do conjunto Renato e Seus Blue Caps, na qual eles prometem acabar com os quatro cabeludos de Liverpool na porrada.

Muitas foram as publicações “especializadas”, inclusive uma Revista do Rock. Vários programas pipocaram nas rádios e televisões, muitos de curtíssima duração; assim, os artistas da primeira leva, antes rivais, agora desempregados, iam fazer parte do séquito da Jovem Guarda, engrossando o cast do bem-sucedido programa, “rendendo-se ao encanto natural” do líder, de jeitinho doce e matreiro. Assim, muitos cantores de segundo escalão, como Wanderley Cardoso e Jerry Adriani, experimentaram o gostinho do sucesso. Programas de outros gêneros, principalmente de Bossa Nova e MPB, viam-se como uma resistência ao rock e àqueles cabeludos descerebrados. À imitação da reacionária Marcha da Família com Deus pela Liberdade, série de passeatas contra o comunismo que se insinuava no País, músicos emepebistas e bossanovistas, sentindo-se ameaçados, fizeram a nefasta Passeata Contra a Guitarra Elétrica, para, logo depois, envergonhadamente, capitular ante a irresistível beleza sonora do instrumento musical inventado pelo Capeta.