terça-feira, 7 de agosto de 2018
ENROLANDO O ROCK - Parte 3: JOVENS TARDES DE DOMINGO SEM FUTEBOL
Edson Negromonte
É sintomático que, em 1962, quando o fenômeno do rock inglês começa a tomar conta das paradas mundiais, com "Love Me Do", dos Beatles, os pioneiros do rock brasileiro já estivessem saindo de cena. Celly, a Namoradinha do Brasil, que chegou a comandar com o irmão Tony um programa de TV, o Crush em Hi-Fi, deixara seu curto reinado para casar com o namorado de escola, indo viver em Campinas, como uma pacata dona de casa. E Tony Campello, roqueiro de boa cepa, ao perceber a perda da inocência inicial, passa a atuar nos bastidores, como produtor musical, por não compactuar com aqueles garotos de terninhos bem cortados. Tony ainda faria algum sucesso, cantando um novo e passageiro ritmo, na sacolejante "Vamos Dançar o Twist", além da versão "Boogie do Bebê", para o sucesso “Baby Sittin’ Boogie”, de Buzz Clifford.
Uma nova geração mais cínica em relação ao mercado insinuava-se. No ano de 1963, Roberto Carlos lançaria, com grande sucesso, "Splish Splash", versão de Erasmo para o hit de Bobby Darin. Em 1964, aconteceu o golpe militar que levaria os generais ao poder durante os próximos 20 anos. Enquanto isso, os jovens esbaldavam-se com o verdadeiro hino do rock brasileiro: "Rua Augusta", composição do cinquentão Hervé Cordovil, na voz do filho Ronnie Cord, nascido Ronald Cordovil, sobre a paixão juvenil por máquinas velozes e furiosas. Singelamente, em contraposição à transviada e perversa “Rua Augusta”, Roberto Carlos grava "Calhambeque", doce versão de Erasmo para o sucesso "Road Hog", de John Loudermilk, mantendo da letra original, sobre os típicos rachas de carro, somente o beep beep. A canção foi lançada, no Brasil, em um flexi disc promocional da caneta Sheaffer. Em 1965, os publicitários da agência Magaldi & Maia Publicidade, de São Paulo, viram no movimento emergente a chance de aproveitar o horário ocioso das tardes de domingo, na TV Record, impossibilitada de transmitir os tradicionais jogos de futebol, para evitar os estádios vazios. Assim, em uma jogada de marketing, criou-se o programa Jovem Guarda, nome advindo da vanguarda comunista russa, patrocinado pela Shell, para aglutinar os jovens telespectadores da época e, consequentemente, vender os produtos da nova marca Calhambeque: roupas, bonés, botinhas, bonecos etc. Era a ascensão de um novo rei: Roberto Carlos (alguém que, na verdade, queria ser, apenas, João Gilberto, o papa da bossa nova), da rainha Wanderléa, acompanhados pelo valete Erasmo Carlos. Iniciava-se, assim, para o grande público, a idolatria de uma juventude aparentemente sadia. Mas, nos bastidores, enquanto o Rei ficava com as filhas, o valete Tremendão comia as mamães. E a droga rolava solta, principalmente no apartamento do produtor Carlos Imperial, em festas que chegaram a ser noticiadas pelos jornais como “orgiásticas”. O eterno bad boy Erasmo, hoje setentão, grava, neste ano de 1965, o seu primeiro long play "A Pescaria", onde consta o sucesso do ano anterior "Festa de Arromba", o who’s who do rock brasileiro da época, além da curiosa "Beatlemania", composição dele e Renato Barros, guitarrista e vocalista do conjunto Renato e Seus Blue Caps, na qual eles prometem acabar com os quatro cabeludos de Liverpool na porrada.
Muitas foram as publicações “especializadas”, inclusive uma Revista do Rock. Vários programas pipocaram nas rádios e televisões, muitos de curtíssima duração; assim, os artistas da primeira leva, antes rivais, agora desempregados, iam fazer parte do séquito da Jovem Guarda, engrossando o cast do bem-sucedido programa, “rendendo-se ao encanto natural” do líder, de jeitinho doce e matreiro. Assim, muitos cantores de segundo escalão, como Wanderley Cardoso e Jerry Adriani, experimentaram o gostinho do sucesso. Programas de outros gêneros, principalmente de Bossa Nova e MPB, viam-se como uma resistência ao rock e àqueles cabeludos descerebrados. À imitação da reacionária Marcha da Família com Deus pela Liberdade, série de passeatas contra o comunismo que se insinuava no País, músicos emepebistas e bossanovistas, sentindo-se ameaçados, fizeram a nefasta Passeata Contra a Guitarra Elétrica, para, logo depois, envergonhadamente, capitular ante a irresistível beleza sonora do instrumento musical inventado pelo Capeta.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Sempre interessante o contraste do "lado família" com a rebeldia juvenil na história do rock. E que ajuda a Jovem Guarda recebeu do futebol! Esse texto é uma brasa, Edson!
ResponderExcluirObrigado, Marcelo! Uma brasa, mora?
ResponderExcluir