Miserável, o poeta americano Edgar Allan Poe finalizou o poema The Raven, fruto de quatro anos de trabalho, em 1844, pelo qual receberia a bagatela de dez dólares. Com certeza, nem ele, nem o editor sabiam a revolução que causariam aqueles 108 versos, em dezoito estâncias, número ínfimo para a poesia laudatória praticada na época. Já no ano da sua publicação, 1845, a repercussão foi tal que Poe, o quase mendigo que mal podia pagar o aluguel e sustentar a prima e esposa, e a tia, ao mesmo tempo, sogra, era chamado para palestras e recitais nos salões grãfinos do seu tempo, onde o ponto máximo era o momento em que ele recitava, com voz cava, fisionomia encovada, The Raven. Poe, contou, em vida, com admiradores de quilate, como o poeta inglês Robert Browning, além de Charles Baudelaire, o qual traduziu o poema para o francês. Tinha início, então, a saga das transposições do poema para as mais diversas línguas e linguagens. Stéphane Mallarmé também traduziria, em prosa, o soberbo poema para a língua francesa. Tanto Baudelaire como Mallarmé perceberam a importância das aliterações, dos contrários, dos anagramas, na poesia de Poe, buscando as devidas correspondências em sua língua, assim como ecos na língua original, quando never, espelho perfeito de raven, encontra o seu correspondente francês mais apropriado, na estrutura do poema, em rêve: sonho, delírio, devaneio. Outros tantos estudiosos se debruçaram e se debruçam sobre o poema enigma.
No Brasil, o romancista e poeta Machado de Assis, apesar dos parcos conhecimentos da língua inglesa, dedicou-se apaixonadamente a traduzi-lo, ciente da necessidade da sombra corvina no corpo poético nacional. Oscar Mendes e Milton Amado traduziram O Corvo; a grande sacada destes dois tradutores é a substituição da deusa grega Palas por sua correspondente romana Minerva, dando ao leitor brasileiro um anagrama quase perfeito para o nevermore original. O poeta concreto Haroldo de Campos traduziu somente a estância final, de alta voltagem, utilizando-se dos estudos do linguista russo, naturalizado americano, Roman Jacobson sobre o poema espelho, levando em consideração a grande incidência de dissílabos no texto original. No capítulo O Texto-Espelho (Poe, Engenheiro de Avessos), do livro A Operação do Texto, Haroldo expõe a problemática tradutória deste poema emblemático. Em dezembro de 1985, O Corvo ganhou uma tradução iconoclasta em Curitiba, por Antonio Thadeu Wojciechowski, Roberto Prado, Marcos Prado e Edilson Del Grossi, ilustrada pelo artista gráfico Miran, publicada no jornal Raposa. O poeta português Fernando Pessoa é o mais hábil tradutor dos sentimentos poeanos para a língua pátria, ele mesmo a sombra da sua própria sombra. Julio Cortázar, o maior representante do realismo fantástico e tradutor de Poe na Argentina, em Valise de Cronópio, no capítulo Poe: O Poeta, o Narrador e o Crítico, dá um enfoque esclarecedor para a sobrevivência não só da poesia, mas da obra de Poe, quando muitos dos seus contemporâneos já estão esquecidos: é tão profundamente temporal a ponto de viver num contínuo presente, tanto nas vitrinas das livrarias como nas imagens dos pesadelos, na maldade humana e também na busca de certos ideais e de certos sonhos. Na música, entre tantas adaptações, há a óperas inacabadas de Claude Debussy, La Chute de la Maison Usher e Le Diable dans le Belfroi, inspiradas nos contos The Fall of the House Usher e The Devil in tne Belfry. Como um reconhecido ícone pop (está na capa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, de 1967, Paul McCartney e John Lennon também o citam na letra de I Am the Walrus, de Magical Mystery Tour, também de 1967, enquanto Lou Reed lhe dedicou, em 2003, o álbum duplo The Raven), Edgar Allan Poe é, hoje, mais que qualquer outro poeta americano, assíduo frequentador da Internet, com vários sites e blogs sobre a sua obra, vida e fofocas. É comercializada em Baltimore, cidade onde o bardo veio a falecer, uma cerveja chamada The Raven. Ave, Poe!
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
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Ah, um dia eu vou pra Baltimore...
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