terça-feira, 28 de abril de 2015

ACERTO DE CONTAS ou ESCUTE AQUI, JACK KEROUAC!


Edson Negromonte

Escute aqui, Jack Kerouac, a lata de Nescau está vazia, o leite em pó acabou e minha irmã foi abduzida por extraterrestres. Escute aqui, Jack Kerouac, eu sei que você cagando e andando pra tudo isso, mas você é quem estava mais próximo, mais à mão, você e essa mala fedida, parado na encruzilhada, em busca de um certo músico de blues. Escute aqui, Jack Kerouac, você é mesmo um panaca, um bola murcha! com raiva de você: depois de tudo, foi viver com a mamãe, na casa da mamãe, debaixo da saia da velha. em St. Petersburg, na Flórida, entornando latas e latas de cerveja nessa sua barriga grande, seu balofo! Escute aqui, Jack Kerouac, a donzela ficou com medo de se perder na América? Nossa, como você engordou, parece um porco de camisa xadrez. Escute aqui, Jack Kerouac, com quantos paus se faz um poeta beat? Não, não diga, por favor, tenha piedade, você só diria bobagens, asneiras, porque, Jack Kerouac, você aposentado, broxa. E só a sua literatura ofende agora o bom-mocismo da América. E as gurias ainda estão paradas na estrada de tijolos amarelos, à espera de ver Robert Johnson, de quatro, uivando para a lua, enfeitiçado pela amante abandonada. Escuta aqui, Jack Kerouac, não seria mais digno se você tivesse metido uma bala no coco, como fez Hemingway, com a carabina que herdara do pai? A mesma carabina com a qual o pai se matara. Não, você achou mais cômodo, né?, ir morrendo aos poucos, protegido pelas quatro paredes da TV. Escute aqui, Jack Kerouac, só não vou aí lhe dar umas boas porradas porque, pra mim, você morreu! Jack Kerouac, você fodeu com o sonho americano e isso basta! Sua literatura foi capaz de dinamitar toda a arquitetura da hipocrisia americana e isso é o bastante para um homem morrer feliz. Escuta aqui, velho, mil perdões, tenho coisa mais urgente pra resolver: um meteorito radioativo acaba de cair no meu quintal!

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